terça-feira, 10 de novembro de 2015

Avaliação Do Aluno Disléxico


A competência da leitura é uma das mais importantes competências cognitivas e comunicativas que o aluno pode adquirir. A leitura é o meio que permite o acesso a todos os outros conhecimentos. O aluno será seriamente prejudicado pelo insucesso escolar senão apresentar um nível aceitável de literacia, não poderá acompanhar a evolução rápida dos seus conhecimentos científicos e tecnológicos referentes à sua vida educativa. A falta de prática de leitura geralmente interfere na capacidade cognitiva do aluno possuidor de uma perturbação definida por Dislexia ou Disortografia que afeta seriamente todas as áreas de conhecimento da sua vida pessoal por causas derivadas por processos cognitivos envolvidos na aquisição de métodos de ensino mais eficientes. Proporcionar uma boa compreensão expressiva das ideias com clareza aos alunos, será um desafio a todos os responsáveis pelo ensino em utilizar métodos de ensino de leitura em prol de uma escrita eficaz.
Contrariamente à linguagem oral a aprendizagem da leitura não emerge naturalmente, nem necessita de ser ensinada explicitamente. Os alunos que iniciam a escolaridade provoca enormes expectativas em todos os intervenientes educativos envolvidos no processo de ensino aprendizagem. A grande maioria dos alunos realiza esta aprendizagem sem esforço e com prazer, porém, cerca de 5 a 10 por cento manifestam dificuldades inesperadas e persistentes que geram sentimentos de frustração e de incompreensão que muitas vezes provoca sofrimento numa aprendizagem com dificuldade conhecida há pouco tempo por dislexia. É atualmente considerada uma incapacidade invisível que gera determinados preconceitos e estigmas a muitos estudantes e adultos. A tomada de consciência desta dificuldade é inesperada e incompreensível dado que incentiva a realização de inúmeras investigações com o objetivo de encontrar uma explicação cognitiva e neurocientífica para os processos mentais envolvidos na aprendizagem da leitura e da escrita. Destes estudos emergiu a recém designada Ciência da Leitura que se desenvolveu apoiada nos conhecimentos da psicologia cognitiva e das neurociências. Os resultados destes estudos têm-se revelado extremamente úteis para a resposta das seguintes questões:


- Quais são as diferenças entre linguagem falada e linguagem escrita?

-Quais são as competências necessárias para aprender a ler para depois ser ensinadas explicitamente na escrita?

- Quais são as dificuldades experimentadas por alguns alunos na leitura e na escrita?


- Quais são os princípios orientadores essenciais para os métodos de ensino mais eficientes da leitura e da escrita?


Perante este quadro situacional propõe-se avaliar os resultados dos recentes estudos sobre dislexia associada à nova Ciência da Leitura em prol de uma melhor escrita.
O seu objetivo é contribuir para um conhecimento atualizado desta perturbação de forma alertar e sensibilizar os professores para os sinais indicadores de futuras dificuldades para que haja de futuro uma avaliação escolar, familiar, individual, médica essencial para uma intervenção primária de forma a prevenir o insucesso escolar.
A intervenção é um desafio que se coloca a todos os responsáveis do sistema educativo através do desenvolvimento de uma boa aprendizagem proposta por uma equipa transdisciplinar de médicos, de psicólogos, investigadores, técnicos de psicomotricidade, professores, pais e governantes.
O recente estudo publicado pela OCDE sobre o nível de literacia em relação ao sucesso escolar colocam os Açores nos últimos lugares da tabela constituindo assim um sinal de alerta e preocupação.
Perante este quadro situacional a psicomotricidade pretende dar um contributo para a sinalização e orientação dos riscos dos alunos com dislexia ou com dificuldades de aprendizagem ao longo do percurso das suas vidas escolares.



A Relação entre linguagem falada e linguagem escrita


Falar, ouvir, ler e escrever são atividades linguísticas desenvolvidas por competências que se apoiam na linguagem falada. Entre ambas existe uma relação recíproca, apesar da relação de interdependência e reciprocidade entre elas existem enormes diferenças, não só ao nível dos processos cognitivos envolvidos que lhe estão subjacentes, mas também ao nível filogenético e ontogenético.
A nível filogenético existe uma enorme distância temporal da linguagem falada que emergiu através de uma predisposição biológica orientada de forma inata para linguagem oral. Ao nível ontogenético a linguagem falada precede da linguagem escrita, no qual os alunos aprendem as primeiras palavras por volta dos doze meses de idade e só iniciam a aprendizagem da leitura por volta dos cinco ou seis anos de idade quando iniciam a sua escolaridade.



A linguagem falada é adquirida naturalmente e decorre de uma predisposição biológica. As vocalizações, as palavras, as frases e a fluência verbal surgem na mesma sequência em prazos cronológicos idênticos. Um processamento fonológico implícito, ou automático exige uma atenção consciente sem esforço o que permite estabelecer relações entre os sons da fala com o seu significado. Aprende-se a falar naturalmente sem necessidade de ensino formal e explícito.


A Linguagem escrita não segue um determinado processo biológico, utiliza códigos específicos para representar a fala. Estes códigos não são aprendidos naturalmente, necessitam de ser ensinados explicitamente e formalmente. Para aprender a ler numa escrita alfabética é necessário tornar explícito e consciente a linguagem oral considerada um processo cognitivo implícito e inconsciente.
Entre a linguagem falada e escrita verifica-se no aluno diferenças ao nível da forma de produção, que por sua vez influência o contexto da sua escrita derivada muitas vezes à falta de bases de gramática e de vocabulário provoca um baixo grau de literacia.




Na linguagem oral a comunicação é dinâmica efémera no momento em que se processa sons auditivos contínuos produzidos pelo aluno na maior parte das situações ocorridas durante uma sequência temporal. Na linguagem escrita a comunicação é estática e permanente através da utilização dos símbolos gráficos produzidos pelo aluno que posteriormente se encontra ausente ao nível do seu processamento em relação ao seu espaço de escrita.
O conteúdo linguístico na linguagem falada é enriquecido por informações adicionais dadas pela entoação adquirida pela expressão verbal manifestadas pelas diversas possibilidades fonológicas de cada símbolo associado à linguagem escrita por informações contidas e manifestadas no seu traço realizado por cada símbolo do alfabeto.


Teorias explicativas

As causas desta perturbação têm suscitado ao longo dos anos inúmeras controvérsias sobre a dislexia bem como o próprio reconhecimento desta patologia. Os recentes estudos utilizam as modernas técnicas de imagem realizada por especialistas de diversas áreas científicas convergentes à origem genética e neurobiológica dos processos cognitivos que se encontram subjacentes. Têm sido formuladas diversas teorias explicativas entre as quais a Teoria do Défice Fonológico considerada a teoria com maior aceitação na comunidade científica. Esta teoria postula que a dislexia é causada por um défice no sistema de processamento fonológico motivado por uma disrupção no sistema neurológico cerebral ao nível do processamento fonológico.
O défice fonológico dificulta a discriminação do processamento dos sons da linguagem dando a consciência de que a linguagem é formada por palavras e as palavras por sílabas e as sílabas por fonemas para além do conhecimento dos caracteres do alfabeto por representação gráfica.
A leitura integra dois processos cognitivos distintos e indissociáveis, a descodificação da correspondência grafo-fonémica que por sua vez permite a compreensão da mensagem escrita. A compreensão de um texto só é possível após a sua descodificação, isto é após a transformação pelo aluno dos símbolos gráficos em fonemas, sílabas e palavras com sentido.
O défice fonológico afeta unicamente a descodificação de todas as competências cognitivas superiores e necessárias à sua compreensão que se encontram intatas ao nível da inteligência geral e ao nível do vocabulário, da sintaxe, do discurso, do raciocínio lógico essenciais à construção de conceitos.
Sally Shaywitz et al, (1998) utilizaram a (fMRI) para estudar o funcionamento do cérebro durante as tarefas de leitura e identificaram três áreas:


- No hemisfério esquerdo desempenha funções chave no processo de leitura essencialmente no girus inferior frontal pertencente à área parietal-temporal e à área occipital-temporal.

- A região inferior frontal é a área da linguagem oral. É a zona onde se processa a vocalização e articulação das palavras onde se inicia a análise dos fonemas. A subvocalização ajuda na leitura como uma referência a um modelo oral das palavras. Esta zona está particularmente ativa nos alunos iniciantes e disléxicos.
- A região parietal e temporal são áreas onde se realizam a análise das palavras. É a zona onde se processa a análise das palavras por correspondência grafo-fonémica sobre a fusão fonémica e silábica. Esta leitura analítica processa-se lentamente sílaba por sílaba.
- A região occipital temporal é a área onde convergem todas as informações dos diferentes sistemas sensoriais onde se encontram armazenado o modelo neurológico de cada palavra. Este modelo contém todas as informações relevantes de cada palavra que integra a ortografia dependente da pronúncia e do significado. É a zona onde se processa o reconhecimento visual das palavras e onde se realiza a leitura rápida e automática. Quanto mais automática for realizada maior será a ativação desta área para uma forma mais eficiente do processo de escrita adquirido pelo aluno leitor.
Os alunos leitores eficientes utilizam um percurso rápido e automático para ler as palavras. Ativam simultaneamente os sistemas neurológicos das três regiões e conseguem ler as palavras instantaneamente em cerca de 150 milésimos de segundo.
Os leitores disléxicos utilizam um percurso lento e analítico para descodificar as palavras. Ativam intensamente o girus inferior frontal onde se vocalizam as palavras, e a zona parietal-temporal onde segmentam as palavras em sílabas e em fonemas que por sua vez realizam a tradução grafo-fonémica que consiste na fusão fonémica com as fusões silábicas de forma criar o seu significado.
Os diferentes subsistemas dependem das necessidades funcionais do aluno que varia no modo de ativação de leitura em diferentes funções decorridas ao longo do processo evolutivo da escrita. O aluno com dislexia apresenta uma disrupção no sistema neurológico que dificulta o processamento fonológico e o consequente acesso ao sistema de leitura automática. Para compensar esta dificuldade os alunos utilizam mais intensivamente a área da linguagem oral desenvolvida na região inferior frontal pertencente às estruturas do hemisfério direito essenciais à solicitação do sentido da visão.
A Teoria do duplo défice postula que os disléxicos para além possuírem um défice fonológico apresentam um défice na capacidade de nomeação rápida. Este défice interfere negativamente com a velocidade de leitura constituindo assim uma dificuldade adicional às dificuldades de descodificação correta dos grafemas, das sílabas e das palavras. Os disléxicos que possuem ambos os défices apresentam maiores dificuldades na aquisição de uma leitura correta, fluente e compreensiva.
A Teoria do Défice de Automatização postula que os disléxicos apresentam um défice generalizado na capacidade de automatização. Manifestam dificuldades em automatizar as correspondências fonema-grafema, as fusões fonémicas, as fusões silábicas, as fusões silábicas sequenciais e as tarefas que implicam a motricidade global, fina e por fim grafomotricidade. Esta dificuldade generalizada de automatização obriga a um maior treino de leitura a fim de se conseguir adquirir uma leitura mais correta, automática, fluente e compreensiva essencial para o desenvolvimento da escrita.
A minha experiência na reeducação de alunos disléxicos leva-me a considerar que estas teorias são complementares e a grande maioria dos disléxicos apresentam estes défices em diferentes graus de dificuldade de escrita e de leitura.
Embora a base cognitiva da dislexia seja um défice fonológico é frequente a comorbilidade esteja associadas com outras perturbações:

- A perturbação da atenção com hiperatividade explicita uma perturbação específica da linguagem, discalculia, perturbação da coordenação motora, perturbação do comportamento, perturbação do humor, perturbação de oposição e desvalorização da autoestima.
- A perturbação da atenção merece referência especial por ser a perturbação que se associa com maior frequência. Os estudos de gémeos mostram uma influência genética comum já identificada no locus de risco 6p, sendo maior na dimensão de atenção do que para a hiperatividade e impulsividade.


Quais as competências necessárias para o aluno aprender a ler e a escrever?


Como temos vindo a referir aprender a ler não é um processo natural. Contrariamente à linguagem oral a leitura não emerge naturalmente mas sim através da interação com os pais ou com outros adultos por mais estimulante que seja o ambiente a nível cultural e educativo.
Morais (1997), refere “é corrente confundir a capacidade de leitura, os objetivos da leitura, a atividade da leitura e o desempenho de leitura”. A capacidade de leitura é o conjunto de recursos mentais que mobilizamos para ler segundo determinados objetivos que vão desde a compreensão do texto escrito até à atividade de leitura envolvida num conjunto de processos cognitivos, sensoriais e motores através do seu desempenho condicionado ao grau de sucesso obtido. Ler consiste em transformar as palavras escritas em representações fonológicas com significado.
Os objetivos da leitura visa à compreensão do texto escrito segundo os processos cognitivos específicos de recodificação em que se processam antes da compreensão. Os processos de compreensão são comuns à linguagem falada e à linguagem escrita.
Quais são os processos que permitem descodificar o código escrito transformando-o numa mensagem compreensível?
Para ler é necessário descodificar o código escrito de forma o aluno tenha a noção do conhecimento consciente da linguagem formada por palavras definidas pelo termo consciência fonológica. As palavras são formadas por sílabas define-se no aluno através de uma consciência silábica que consiste sílabas formadas por fonemas adquiridas pelo aluno pela consciência fonémica. As letras do alfabeto são a representação gráfica desses fonemas e têm um nome que representam um som da linguagem oral adquirida pelo aluno através da consciência do princípio alfabético.
Para ler é essencial que o aluno descodifique o código escrito mas é ainda necessário que este saiba realizar as fusões fonémicas e as fusões silábicas sequenciais de forma encontrar a pronúncia correta para aceder ao significado das palavras essenciais para escrita. É necessário saber analisar e segmentar as palavras em sílabas e fonemas.
A consciência fonológica é uma competência difícil de adquirir porque na linguagem oral não é percetível à audição separada nos diferentes fonemas. Quando ouvimos a palavra “pai” ouvimos os três sons conjuntamente e não os três sons individualizados.
O princípio alfabético é igualmente difícil devido às irregularidades existentes nas correspondências do fonema Û grafema.
Para ler é essencial compreender a mensagem escrita é necessário descodificar corretamente as palavras e ter uma leitura fluente, isto é, sem atenção consciente e com o dispêndio mínimo de esforço. A capacidade de compreensão do aluno está fortemente relacionada com a compreensão da linguagem oral de forma a possuir um vocabulário rico e fluente para a realização da escrita.
Escrever não é a operação inversa da leitura é uma competência com um maior grau de complexidade que exige uma dupla descodificação.
Para escrever corretamente é necessário saber identificar as palavras constituintes das frases de forma saber discriminar os fonemas que formam as palavras e saber segmentar as palavras em sílabas através da segmentação silábica. Saber segmentar as sílabas em fonemas de segmentação fonémica de forma a saber quais as correspondências do fonema-grafema mais corretas que devem ser utilizadas.
Todas estas competências têm que ser integradas através do ensino e da prática sistemática das atividades de leitura e de escrita para que o aluno possa evoluir para patamares superiores de escrita eficaz.

Quais as dificuldades experimentadas por alunos?

As dificuldades na aprendizagem da leitura têm origem na existência de um défice fonológico. Alguns alunos não possuem o conhecimento consciente destas unidades linguísticas, embora a linguagem oral utiliza corretamente as palavras, as sílabas e os fonemas. Os alunos que apresentam um défice ao nível da consciência da estrutura fonológica das palavras tem enormes dificuldades em terem uma escrita eficaz.
Sendo a leitura a transcrição de um código gráfico para um código fonológico, as dificuldades de identificação e discriminação fonológica refletem-se negativamente na aprendizagem da escrita.
Os alunos que apresentam maiores dificuldades na aprendizagem da leitura são os que têm familiares com dificuldades na linguagem oral e escrita e que apresentam desenvolvimento linguístico tardio, apresentando por dislálias fonológicas durante as fases de aprendizagem no jardim-de-infância, na pré-primária e no início da escolaridade. Também apresentam dificuldades na consciência fonológica, silábica e fonémica na identificação do nome das letras e dos sons que lhes correspondem, criando assim dificuldades de memorização dos nomes, das cores, das noções temporais e do objetivo da leitura.
Para além destas dificuldades verificam-se com frequência as dificuldades na memória a curto prazo ao nível da capacidade de automatização a que obriga a uma solicitação rápida da capacidade de focalização orientada para uma sustentação da atenção.
Os fatores motivacionais são igualmente importantes para o desenvolvimento da capacidade da leitura, dado que sua melhoria nesta competência está altamente relacionada com o querer ou com a vontade de persistir nas dificuldades sentidas do aluno na escrita que não dependem de resultados imediatos.



Christopher Brandão 2015

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